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O solitário caminho de uma mãe no exterior (e seus super poderes)


Conheci a Gabi (autora desse texto) em um Natal. Primeiro Natal na família do meu namorado; conhecia poucas pessoas e ali no meio delas, logo reconheci naquele sorriso e simpatia, uma mulher cheia de energia e amor pela vida. Ela foi super acolhedora e a conversa fluiu facilmente. Papo vai, papo vem, logo descobri que ela tinha se mudado com a família para os Estados Unidos e ali começou a história desse texto! Aqui ela nos conta sobre esse recomeço de vida, em família e no exterior. Gabi querida, muito obrigada pela contribuição para o meu blog através desse texto delicioso de ler! Será o primeiro de alguns certamente.

No gigante universo materno, todos concordamos que as mães desenvolvem super poderes com o nascimento de seus filhos – da super-paciência (para limpar o chão ao menos três vezes por dia depois de comerem), passando pela super-resiliência (para levantar da cama no horário, mesmo sem ter dormido por quatro horas seguidas) e chegando à super-habilidade-para-sorrir (para demonstrar a todos à sua volta o quanto você é forte e bem resolvida).

Mesmo já conhecendo alguns desses poderes e como seria a segunda gravidez, um convite inesperado para viver no exterior me mostrou o quanto eu estava despreparada para esta experiência. Aos sete meses de “embarazo” (como diz uma amiga argentina), deixei a família, o trabalho, amigos e um apartamento dos sonhos para trás e cruzei o continente para trilhar um caminho completamente solitário nos Estados Unidos.

Sim, solitário. Sem falar uma palavra de inglês, faxineira para ajudar ou o suporte da família (minha mãe teve o visto americano negado em todas as três tentativas), me vi expatriada, realocada em outra cultura e afogada em pensamentos sobre a escolha que eu tinha feito. Estava com um bebê nos braços, um menino de apenas quatro anos e um marido se esmerando dia e noite no novo emprego. De uma maneira ou de outra, sentia que todos dependiam do meu comprometimento para ter uma família harmoniosa dentro do que se acreditava ser uma “home sweetie home”. Perguntas como “Sou egoísta em privar meus filhos da companhia dos avós? A educação aqui é realmente melhor? O quanto essa mudança será significativa na vida daqueles que eu amo?”, entre tantas outras, borbulhavam a todo instante nos meus pensamentos.

Depois de meses tentando culpar alguém pela vida injusta que eu estava levando decidi que eu não seria a princesa a esperar que alguém viesse me resgatar. Deixei para trás meu apego emocional com a minha velha vida, chorei todas as lágrimas que eu tinha e coloquei a minha melhor roupa (sem salto alto porque com um bebê não dá!) e, finalmente, decidi que eu não seria mais apenas a mãe/esposa invisível e expatriada. Dei fim ao meu luto interior e entendi que a repatriação ou realocação de um profissional mexe com a família inteira. Meus dois filhos precisaram muito de mim, sobretudo o mais velho, para  ajudá-lo a entender seus conflitos pessoais e que a dor da saudade estaria sempre presente a partir daquele momento. De alguma forma, era um recomeço.

Me abri para a nova vida que estava ao meu redor e enquanto amamentava ou limpava a casa, dedicava três horas por dia para estudar inglês, com uma professora particular que me ajudou a entender, sobretudo, a cultura local. Estudei muito para tirar a carteira de motorista e passei na primeira tentativa! (O teste foi em inglês, mas há uma opção em espanhol). Parei de examinar a poeira da casa nos mínimos detalhes e comecei a achar minhas unhas mais bonitas sem fazê-las – o serviço aqui é caro e na maioria das vezes não é bom. No primeiro ano fora do meu país de origem fiz uma festa de Halloween no meu jardim e convidei todos os vizinhos da rua. Tamanho foi o sucesso que já estamos na terceira edição. ; – )

Hoje faço parte de grupos da comunidade local, tenho amigas americanas, latinas e o mais importante – tenho muitos projetos para o futuro. Já voltei ao Brasil algumas vezes para rever a família e a cada viagem, trago comigo a realidade que eu não queria enxergar antes – hoje sou uma mulher diferente, uma mãe e uma esposa diferente. Minha solidão já não é mais meu principal conflito. Meu núcleo familiar – o REAL núcleo familiar – marido e filhos -, está, sem dúvida, mais forte. E sem a interferência da família, descobri que meu porto seguro é o que eu trago dentro de mim e que sou capaz sim, mesmo sozinha, de ser uma boa mãe, uma boa esposa, boa amiga e ainda assim, encontrar espaço para a minha própria personalidade.

Aquela maternidade silenciosa que antes me preocupava, hoje me fortifica. Li alguns livros sobre pessoas que foram viver fora de seu país de origem e esse tipo de conteúdo abriu bastante a minha cabeça. Hoje, sigo fazendo escolhas que me permitem eleger quais são os super-poderes que eu quero usar, ao invés de tentar empregá-los simultaneamente naquela rotina intensa que eu vivia entre trabalho, casa e família. Hoje, acredito que nunca fui uma mulher frágil como eu pensava e reconheço que existe um certo prazer em saber abrir o seu próprio vidro de palmito ou montar todos os móveis da sua casa sozinha (porque aqui ninguém vai fazer isso para você!).

Apesar da diferença cultural se fazer presente todos os dias em aspectos que vão além de um idioma, não me incomodo mais com perguntas sobre como é o Carnaval no Brasil ou se tinham macacos na janela da minha casa quando eu acordava. Nesse recomeço (sim, mudar de país é reconsiderar boa parte daquilo que você acreditava estar certo, mas isso é tema para outro post!), eu me me permiti desconstruir essa narrativa equivocada pela ignorância pessoal de cada um e passei a ser ainda mais positiva. Hoje, para mim está tudo bem se naquele dia, não deu tempo de fazer o jantar e eu tive que organizar um lanche para a minha família. E tudo bem se as crianças foram dormir sem tomar banho depois de um dia longo. E tudo bem conversar horas com a mãe pelo telefone para pegar aquela receita de bolo incrível ou mesmo chamar uma amiga para tomar um café virtual e contar que você pediu um sanduíche achando que teria um hamburguer no meio, mas veio recheado só com alface porque você não entendeu o cardápio em inglês.  A minha vida agora é outra. Fato.

Ao final, o que vai valer a pena mesmo é a habilidade que nós super mamães desenvolvemos em não materializar o que pode ser ruim como nosso destino. Encarar uma reviravolta nas emoções estando em outro país desperta uma série de angústias, mas uma mudança pode ser benéfica sim… e transformadora. Após alguns anos vivendo do outro lado do mundo (e uma velada preguiça que hora ou outra insiste em aparecer), meu caminho para o autoconhecimento está mais forte. E, se sentir-me só foi uma escolha necessária no início dessa experiência, independentemente de ter meus filhos e meu marido ao meu lado, já está claro que isso nunca foi um sinal de fraqueza.

Meu espaço está completamente tomado pela versão melhorada de mim mesma (mesmo que em alguns dias eu acorde sem todos aqueles super poderes, afinal, sou humana!). Hoje, eu não procuro mais pela receita perfeita, mas sim, pelo equilíbrio que existe na imperfeição e a alegria com que me proponho em conviver com as diferenças ao meu redor. Essa é a vida que eu que eu escolhi.

Gabriela Polycarpo tem 39 anos, é jornalista, party-planner, mãe de dois meninos, casada com o amor da sua vida e adora amarelo.

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This Post Has 5 Comments

  1. Gabriela Catropa é uma mulher linda – em todos os sentidos – e dedicada. Mulher incrível! Quem a conhece, sabia que essa descoberta seria questão de tempo. Parabéns pelo lindo texto!

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